segunda-feira, 26 de julho de 2021

A Era do pedantismo

Ao longo dos últimos anos, temos testemunhado um período de mudanças culturais bastante repentinas. 

Uma dessas mudanças, sobre a qual não se fala muito por aí, diz respeito a forma como a figura do individuo inteligente/ estudioso vem sendo tratada na sociedade e na cultura.

De modo que ao longo da segunda metade do século XX, pessoas inteligentes eram satirizadas e menosprezadas em nossa cultura, seja na televisão, no cinema, e  até mesmo na música popular. 

Esse menosprezo se arrastou até meados dos anos 00, embora com gradativo declínio iniciado em algum momento dos anos 90, estimulado talvez em partes pela ascensão de indivíduos como Paul Allen e seu mais famoso sócio Bill Gates - ora, o homem mais rico do mundo já não era um magnata do petróleo, como um John D. Rockefeller, mas sim alguém que fez a si e transformou o mundo através de estudo e de sua inteligência natural.

Nerds oitentistas retratados na
icônica comédia Revenge of the Nerds

Foi somente ao final da década de 00 que o termo nerd de certa forma timidamente passou a perder sua conotação singularmente pejorativa e virou em alguns meios até um elogio ou, em algumas ocasiões, uma alcunha orgulhosamente auto declarada.


Mas creio que foi mais precisamente na década de 2010 que veio a primeira guinada verdadeiramente radical. Como em muitas outras coisas, essa referida década testemunhou mudanças drásticas na sociedade e na cultura.

Desse modo, mudamos então em poucas décadas de uma sociedade majoritariamente anti intelectual (ápice talvez nos anos 80) para uma que sacraliza a inteligência, seja ela natural (como verificado, por exemplo, em testes de QI) ou adquirida através de aprendizado (que alguns autores chamam de inteligência cristalizada).

Pode-se hoje afirmar com certeza que ser inteligente é agora algo bem visto.

O que é algo positivo, não?

Não necessariamente, pois essa mudança cultural aparentemente benéfica trouxe, infelizmente, devo dizer, um presente de grego junto: o pedantismo exagerado exibido por muitos indivíduos. 

Esse pedantismo pode ser mais facilmente notado nas redes sociais, onde está mais escancaradamente a vista, mas também pode ser observado no mundo real offline.

Ora, nas redes sociais, onde aparece de forma mais exorbitante, parece que todo mundo é um especialista sobre qualquer coisa, e palpita sobre assuntos em que são na verdade leigos, fingindo domínio, acabam escrevendo ou dizendo verdadeiras bobagens que muitas vezes conduzem os demais erro e assim acabam, no fim das contas, prejudicando a sociedade como um todo.

E este mencionado pedantismo está diretamente relacionado com a mudança na visão do intelectual, todo mundo agora que ser intelectual, pois é algo bem visto, passamos, como dito anteriormente, de uma sociedade anti intelectualista para uma sociedade que é decididamente pseudo intelectualista, onde todo mundo finge ser intelectual para ser bem visto. 

As pessoas agem em interesse próprio e não tem por objetivo ser inteligentes, mas sim parecer inteligentes, o que é bem mais fácil. Por isso leem dois ou três parágrafos na Wikipedia e assistem videos de quatro minutos de youtubers adolescentes com cabelos pintados de roxo sobre quaisquer assuntos complexos para posteriormente afirmar a si e ao mundo que dominam o assunto em tela, com algumas poucas palavras rasas ou então através de repetições de clichês baratos - quem já conversou com um marxista ou um liberal dogmático deve saber do que estou falando aqui. Muitos dos parágrafos escritos por estes indivíduos nas redes sociais são como verdadeiras cortinas de fumaça verborrágicas que ao cabo e ao rabo nada dizem de verdade.

Enfim, como para se tirar vantagens dessa adoração ao intelectual basta parecer ser inteligente, o objetivo de muitos então acaba começando e terminando exatamente aí, em parecer inteligente e não necessariamente ser. E isso é feito, infelizmente, sem qualquer cerimônia ética.

4 comentários:

  1. Boa reflexão. Eu sou culpado desse crime, já me peguei diversas vezes me forçando a ler um livro que não sentia prazer, por essa necessidade de parecer ser mais inteligente/culto. Não era o processo e descobertas daquele conhecimento que me atraia, mas tão somente ser alguém que o possuí. Não que seja de todo mal, mas vale a autoanalise.

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    1. Interessante, Sisifo, acho que já fiz algo assim quando era mais jovem, hj em dia somente leio sobre tópicos que realmente me interessam, como economia e astronomia, abraços!

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  2. Rapaz, você acertou na mosca. Boa definição- "sociedade pseudointelectual", é bem por aí mesmo.
    Hoje em dia todo mundo é cientista político, cientista natural, "cientista de dados" e por aí vai.
    Cansei de ver, por exemplo, técnicos de laboratório se achando super cientistas só porque sabem o significado de algumas palavras e porque apreenderam a usar determinados equipamentos e utensílios (lendo o manual)...

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    1. Interessante, Mago, é o que se chama efeito Dunning Krugger, estes técnicos que vc citou sabem tão pouco que muitas vezes sequer tem noção de seu real domínio e realmente acreditam ter um conhecimento profundo, quando não o tem, o mal de nossos tempos, abraços!

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Nobres leitores, se eu demorar a responder, é porque provavelmente tô fazendo cosplay de eremita e estudando pra concursos.

Aquila non capit muscas